"Fui para o Sporting e já era um jogador de m****. Não consegui lidar..."
Cristiano Piccini, que passou pelo Sporting em 2017/18, falou esta segunda-feira à imprensa italiana sobre a sua carreira enquanto jogador, frisando os problemas de saúde mental que passou ao longo da mesma.
"Entrava no Twitter, escrevia 'Piccini' e tinha o dia estragado. Cinco deles podiam dizer coisas boas e três coisas más, mas eu concentrava-me nesses três. Durante muito tempo não consegui lidar com isso. Depois assinei pelo Sporting e, antes mesmo de chegar a Lisboa, já era um jogador de m****. Os adeptos do Betis escreviam isso e os do Sporting liam", começou por dizer o italiano em entrevista à Gazzetta dello Sport.
"Aí disse chega. Ia jogar a Liga dos Campeões e não podia estar com esse veneno na cabeça, gerado por pessoas que não me conheciam. Desliguei tudo e fiz uma grande temporada. O Valencia comprou-me depois", confessou o antigo lateral.
"Quando estava no Sporting, comecei a fazer ioga e encontrei um professor com quem conversar. Senti-me bem e isso fez-me sentir melhor. Comecei a partir daí. Quando entras neste ciclo de m****, não queres fazer nada, não queres falar com ninguém, não queres parecer fraco. Pensamos que somos super-heróis, mas não somos. Não queremos demonstrar fraqueza, mas é fundamental. Tens de ser honesto contigo próprio, tens de te libertar da m**** que tens dentro de ti. E fazer isso é uma grande virtude, um ato de grande força e um ato de amor-próprio", revelou Piccini.
O antigo jogador do Sporting 'pendurou as botas' há umas semanas, mas considera que a saúde mental ainda continua a ser algo preterida por parte dos clubes de futebol e que estes deviam preocupar-se mais com os jogadores.
"Esqueçam a questão de se ganhar muito dinheiro e o resto, casas bonitas, carros bonitos, relógios bonitos... Quando se deixa alguém sozinho com dor, ele fica mal. O clube, assim como faz com o fisioterapeuta quando há uma lesão, deveria ter alguém que possa ajudar a assimilar este processo e depois a superá-lo. 'Porque é que isto aconteceu comigo? O que é que eu fiz para merecer isto? Agora que estou ótimo, que tenho tudo, até mesmo recém-casado, tenho de estar assim, sozinho, e não sei como lidar com esta situação.' Não sei o que é certo e o que é errado. Os clubes deveriam ajudar os jogadores a não se sentirem tão sozinhos. Não somos um contrato que pesa quando nos lesionamos, somos um trunfo para o clube", atirou.
Sobre a primeira vez que se mudou para Espanha, quando jogou pelo Real Betis, admitiu que cometeu muitos erros que levaram a que os adeptos caíssem sobre ele, pela falta de profissionalismo, tendo mesmo um episódio em que entrou em despique com os aficionados dos verdiblancos.
"Achei que era a mesma coisa que o Spezia, Carrarese, Livorno... E não. Eu era uma criança. Uma bebida aqui, um cigarro ali... E tudo acabou por ir parar ao Twitter. Fui massacrado [pelos adeptos] porque não era visto como profissional - e eles tinham razão. Fisicamente eu era um prodígio, não precisava de comer nem treinar bem. Nem dormia e treinava duas vezes mais do que os outros. Mas depois chegou a hora de pagar o preço, tive problemas com os adeptos", assumiu Cristiano Piccini.
"Rompi o ligamento cruzado depois de 18 jogos a titular, quando era um dos melhores laterais da La Liga. Voltei 6 meses depois e a cada pequeno erro linchavam-me... Escreviam coisas horríveis sobre mim no Instagram e no Twitter. Eu lia e sentia-me mal. Voltei de lesão, fiz três golos e três assistências e eles continuavam a atacar-me. Contra o Leganés marquei o 2-1 e gritei: 'Calem a boca, seus filhos da p***'. Leram os meus lábios e acabou aí", recordou.
Depois do Sporting, houve espaço para um regresso a Espanha, mas acabou por não conseguir estar ao seu melhor nível, que tinha apresentado no conjunto de Alvalade na temporada anterior.
"Depressão, erros, dor, desespero. Foi muito difícil. Passei muitos meses sem ser eu mesmo. Super agressivo, irritado com o mundo, ninguém me suportava por causa do nervosismo e da negatividade que eu demonstrava. Andava triste e deprimido, não tenho vergonha de o dizer", alertou Piccini.
"Estás nas nuvens e, de repente, encontras-te no ponto zero, lançado para uma realidade que já não é a tua, que nunca foi, e que é difícil de assimilar. Muitas situações podem desencadear isto: problemas pessoais, a perda de um familiar, um desgosto amoroso. No meu caso, foi uma lesão. Nem sabia para onde ir. Enfrentei tudo sozinho e houve muitas noites que esperei que a minha esposa fosse dormir para que ela não me visse a chorar inconsolavelmente. Perdi toda a motivação. A única coisa que queria fazer era jogar PlayStation. E quando percebi que estava a perder a minha família, soube que precisava de fazer alguma coisa, recuperar a minha vida", concluiu.
Cristiano Piccini fez um total de 305 partidas como futebolista profissional sénior, passando por clubes como o Bétis, o Sporting, a Atalanta, o Valencia ou o Estrela Vermelha, depois de ter feito toda a sua formação na Fiorentina, chegando até a ser chamado para a seleção nacional de Itália em três ocasiões. Fez um total de 12 golos e seis assistências em todas as competições ao longo da sua carreira.
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